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Fátima Baroni Tonezer

Você já ouviu a expressão ageismo? E idadismo?

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O preconceito por detrás de padrões culturais nas mídias sociais

Hoje quero conversar com você sobre um tema que, apesar de mais recente, esconde um problema do nosso século, cercado de mitos, preconceito e barreiras: o envelhecimento.

Durante a nossa evolução enquanto espécie, o ser mais velho era visto com respeito e muita importância. Nomes como “ancião”, “o sábio”, sinalizavam o termômetro da importância dada às pessoas com mais idade. Isto porque ser “velho” numa época em que a expectativa de vida era pequena já era por si uma vitória.

Segundo uma matéria da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) de 2021, “durante cerca de 200 mil anos a média de vida das pessoas estava abaixo de 30 anos. Com os avanços no padrão alimentar, as melhorias no saneamento básico e na higiene e com os progressos da medicina a expectativa de vida começou a subir no século XIX e chegou a 32 anos no mundo em 1900”. Enquanto isso, o Brasil, com 214 milhões de habitantes em 2023 (conforme a Organização das Nações Unidas – ONU), tinha uma expectativa de vida de 48,1 anos em 1950, chegou a 75,3 anos em 2019, caiu para 72,8 anos em 2021, subindo para 76,2 anos em 2023 e deve alcançar 88,2 anos em 2100.

Atualmente, é comum encontrar famílias com pelo menos uma pessoa na faixa dos 90 anos. E é por este ângulo que quero seguir nesta reflexão. Várias ações realizadas pelos seres humanos no decorrer da história possibilitaram o aumento de nossa expectativa de vida. Nós buscamos esticar nossa passagem pela terra, porém não aceitamos envelhecer. Perder a aparência jovem, pele firme, sem rugas é inconcebível na nossa cultura.

QUEREMOS A LONGEVIDADE, MAS NÃO QUEREMOS ENVELHECER

Uma equação complexa, que, por enquanto, estamos perdendo. Se antes o tempo  vivido nos dava experiência, histórias de desafios e superações, erros e acertos e, portanto, nos colocava numa categoria elevada de pessoas sábias, com direito a dar conselhos, hoje ninguém quer parar para ouvir alguém que tenha rugas e traga na pele e no corpo marcas da passagem do tempo.

Parecer jovem é imprescindível. Parecer, já que o envelhecimento é um processo complexo e contraditório que vai acompanhar a todos ao longo da vida, com exceção dos que saírem da vida precocemente.

Rugas, cabelos brancos, mudanças de hábitos e interesses são algumas das implicações do envelhecimento. Eu quero falar aqui não do lado sombrio do envelhecimento – as doenças e limitações. Quero debater sobre o preconceito e o isolamento que o idadismo causa à grande parte da população, já que, de acordo com dados do último recenseamento geral da população, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a faixa etária dos jovens abrange 40,2%, enquanto adultos e idosos perfazem 59,8% do total da população. Mas onde essas informações querem nos levar? Qual sua relevância?

A VELHICE ESCAMOTEADA: DO ENTRETENIMENTO À PRODUTIVIDADE, QUAL O LUGAR DA PESSOA LONGEVA?

Podemos deduzir do que é exposto diariamente nas mídias, a cultura midiática, que a velhice é censurada como se fosse algo obsceno e vergonhoso, que deve ficar fora da cena. Basta ver a enxurrada de críticas que uma pessoa famosa, principalmente as mulheres, recebe ao assumir seus cabelos brancos ou ao se recusar se submeter a um dos inúmeros procedimentos oferecidos pela indústria da juventude eterna.

Essa cultura impõe, de forma inegociável, investir na versão ideal da “velhice turbinada”, onde homens e mulheres devem estar dispostos a dedicar-se constantemente ao corpo, não à saúde, como indispensável para a autoestima e a qualidade de vida. A juventude, a promessa do rejuvenescimento, mantido através de fármacos, próteses, implantes, cremes, suplementos e tantas outras invenções das tecnociências contemporâneas.

E que nunca é suficiente porque sempre tem alguma coisa a mais para se fazer. Ao mesmo tempo que é impossível parar o desgaste provocado no corpo físico pela passagem dos anos. Somos bombardeados continuamente por atores e atrizes cuidadosamente produzidos com camadas de maquiagem, jogo de luzes, filtros e tudo o mais que a tecnologia já criou, e deixamos de perceber que essas produções atravessaram os limites do bom senso, por vezes comprometendo expressões faciais finas, o diferencial da comunicação entre humanos, a comunicação não verbal, através da expressão de sentimentos e emoções. E nem chegando perto da saúde mental.

TODO MUNDO QUER CHEGAR AOS 100 ANOS, MAS NÃO QUER ENVELHECER! QUAL A FÓRMULA!

A juventude é vista na construção social como saúde, beleza e sucesso. Envelhecer é desagradável. Essa narrativa torna-se mais cruel para as mulheres, já que, segundo certas opiniões, mulher que envelhece não pode fazer certas coisas. “Mulheres que envelhecem somos todas nós”, salvo exceção das que se despedirem cedo da vida.

Há restrições sobre profissões, estudos, moda e mais uma infinidade de coisas que não seria mais aceitável para mulheres a partir de determinada idade. Quando dizem que uma mulher de 40 anos não deveria estar na universidade, e essa “verdade” é repetida por jovens mulheres de 20 anos, estão engessando e acabando com as possibilidades e sonhos de todas nós, mulheres.

Numa época em que a população mundial está envelhecendo, esse discurso preconceituoso sobre idade, principalmente a feminina, deixa claro esse “descolamento” da realidade, do ponto de vista da eficiência e da inteligência, não se compreende o mundo que habitamos, um mundo que envelhece. E essa combinação se torna ainda mais dramática para as mulheres, ao juntar idadismo com machismo.

Machismo esse, muitas vezes, “escondido” no próprio discurso feminino. A nossa “rainha do rock”, ou como preferia ser chamada “padroeira da liberdade”, Rita Lee, que faleceu no dia 08 de maio deste ano, com seu jeito irreverente, definia envelhecer de duas formas: você pode ser perua ou feiticeira. As peruas perseguem a fonte da juventude e o maior inimigo delas é o tempo. Já para as feiticeiras, o maior aliado é o tempo. Ela gostava das duas versões: as peruas retocadas e as feiticeiras serenas. Há espaço para todos e todas.

Enquanto estava escrevendo esse artigo, lembrei-me do vinho, e de alguns documentários sobre esse assunto que já assisti. Dizem que alguns vinhos se tornam melhores com o tempo. Não sou especialista na área, mas pelo que me lembro dessas matérias, critérios como a escolha do tipo uva, manuseio e armazenamento adequado, posição da garrafa, qualidade da rolha, temperatura do ambiente etc. determinam se aquela safra/garrafa vai ser uma surpresa agradável ou não após aberta.

Alguns vinhos, sem as condições adequadas, tornam-se vinagre. E isto vale para o humano. Certos cuidados com o sono, alimentação, atividades e exercícios físicos nos permitem manter a autonomia por mais tempo. Não afasta as doenças ou a morte, mas nos possibilita viver a vida com mais sabor e qualidade. Cuidados que começam cedo, por volta das 30/40 anos, e nos levam ao envelhecer saudável, preservando a autonomia, a flexibilidade tanto no corpo físico como da mente, que se ocupam da saúde, não da aparência. O que não exclui o cuidado com a aparência, nem romantiza o envelhecimento. É possível retocar e corrigir o que não agrada enquanto cuida da saúde, física e emocional.

Na próxima semana vamos conversar sobre um assunto que choca e se tornou explícito em nossa vida. Vamos olhar para ele por vários ângulos, apesar de ser lembrado somente por um aspecto. E que tem ligação com o tema desta semana. Ficou curioso(a)? Vem comigo na próxima segunda, 5 de maio.

Até a próxima.

Fátima Sueli Baroni Tonezer é psicóloga, formada em Psicologia na Universidade Estadual de Maringá (UEM). Sua maior paixão é estudar a psique humana. Atende na DDL – Clínica e Treinamentos – (45) 9 9917-1755

@psicofatimabaroni

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