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Fátima Baroni Tonezer

Grande desafio do século XXI: entender e combater os transtornos alimentares – parte II

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No artigo da semana passada (24 de abril), começamos a conversar sobre os transtornos alimentares, um mal que atinge uma parcela considerável da nossa população e que em muitos casos passam desapercebidos e ficam sem o tratamento adequado.

Apesar de não ser um problema de saúde recente, já que temos relatos de casos de anorexia desde a Idade Média, é necessário levar em consideração as particularidades de cada época. Há abundância de casos documentados de jejum autoimposto, com restrição severa da quantidade e tipos de alimentos, a chamada anorexia “santa”, um comportamento entre algumas mulheres que buscavam a comunhão com Cristo e se livrar do pecado e das tentações da carne.

Os comportamentos são semelhantes aos que hoje caracterizam a anorexia nervosa, já descrita nesta coluna na semana anterior, que tem agora o objetivo de permanecer magra, que se caracteriza por uma grave restrição de ingestão de alimentos, pela busca incessante da magreza, distorção da imagem corporal (a pessoa acha todo mundo magro, menos ela) e pode levar a graves problemas de saúde, inclusive à morte.

Hoje vamos falar de outro transtorno bastante sério, que atinge nossas jovens e muitos adultos, a bulimia nervosa. É um transtorno alimentar muito conhecido, caracterizado pelos episódios recorrentes de compulsão alimentar (ingestão de grande quantidade de alimento em um curto espaço de tempo com sensação de perda de controle), seguidos de comportamentos compensatórios inadequados, que tem a finalidade de impedir o ganho de peso corporal.

A bulimia é descrita pelo Manual Diagnóstico e Estatísticos de Transtornos Mentais (DSM-5) como o ato de comer, em episódios recorrentes, quantidades de comida muito maiores do que a maioria das pessoas conseguiria comer no mesmo espaço de tempo, seguidos por comportamentos não saudáveis para perda de peso rápido. Logo, trata-se de uma compulsão seguida de compensação ou purgação: a pessoa come desesperadamente, sem controle, e depois tenta se livrar de toda essa comida – os chamados “episódios bulímicos”.

Dentre esses métodos estão: vômitos autoinduzidos, tomar laxantes, diuréticos e inibidores de apetite, exercício físico em excesso. Pode ainda fazer longos períodos de jejum para ter a sensação de que as calorias foram embora.

EMOÇÕES COMO CULPA E VERGONHA ESTÃO FREQUENTEMENTE ASSOCIADAS À BULIMIA NERVOSA.

Enquanto na anorexia a magreza é excessiva (IMC igual ou inferior a 17,5 kg/m), na bulimia cerca de 70% das pessoas têm peso normal e até sobrepeso. O medo de engordar é presente. Pode estar associado à anorexia e à depressão.

Os sinais de alerta de bulimia nervosa podem ser físicos, psicológicos e comportamentais. É possível que alguém com bulimia exiba uma combinação desses sintomas. Alguns sinais físicos incluem mudanças frequentes de peso (ganho/perda), sinais de danos devido à indução do vômito, como inchaço ao redor das bochechas, dano aos dentes e mau hálito; desmaios ou tonturas e sensação de cansaço, fadiga e alterações de sono.

Alguns sinais psicológicos são: preocupação excessiva com a alimentação, corpo e peso; sensibilidade aos comentários relacionados com alimentos, peso, forma do corpo ou exercício físico; baixa autoestima, sentimentos de vergonha, auto aversão ou culpa, particularmente depois de comer; obsessão com alimentos e necessidade de controle das calorias; depressão, ansiedade ou irritabilidade.

E aparecem também sinais comportamentais, como evidência de compulsão alimentar (por exemplo, comer exageradamente ou fazer jejuns prologados); comer escondido e evitar refeições com outras pessoas; comportamento antissocial, passando cada vez mais tempo sozinho; comportamentos repetitivos ou obsessivos relacionados à forma e ao peso do corpo (por exemplo, pesar-se repetidamente, olhar-se no espelho obsessivamente); idas frequentes ao banheiro durante ou logo após as refeições, o que pode ser evidência de vômito ou uso de laxante.

E NESSA AVENTURA POR UM CORPO MAGRO, QUE ATENDA ÀS EXPECTATIVAS DO PADRÃO CULTURAL, TEMOS O TRANSTORNO DA COMPULSÃO ALIMENTAR (TCA)

O primeiro ponto a ser abordado aqui é diferenciar o comer em excesso do transtorno da compulsão alimentar. Nestes 16 anos em que trabalho com pessoas em busca de emagrecimento já ouvi muitas crenças, confusões e meias verdades. Uma dessas repetida com frequência tem a ver com a quantidade de comida, ou seja, a pessoa chega com o autodiagnóstico ou a conclusão de algum “profissional” de que ela sofre de transtorno de compulsão alimentar porque come dois hambúrgeres no jantar ou quatro pães francês. Gente, isto não é compulsão! Isto é gula, exagero.

Num episódio de TCA a pessoa ingere entre 4.000 e 10.000 calorias num período de 20 minutos. E esta situação se repete no mínimo duas ou três vezes na semana, por meses (mais de três).

A COMPULSÃO NÃO É UM SIMPLES E OCASIONAL EXAGERO.

O TCA é mais recente entre os transtornos alimentares mais conhecidos, e se caracteriza por episódios recorrentes de compulsão alimentar (ingestão de grande quantidade de alimento em um curto espaço de tempo com sensação de perda de controle) e conta com outros aspectos, como comer mais rapidamente do que o normal; comer até se sentir desconfortavelmente cheio, se sentir incomodado, passando mal. Geralmente ingere uma quantidade num único episódio que alimentaria várias pessoas ao mesmo tempo. O descontrole leva a pessoa a comer toda a comida da geladeira e a congelada, restos de comida do lixo; comer grandes quantidades de alimento na ausência da sensação física de fome. Importante ressaltar que na TCA não há tentativa de purgar ou compensar a ingestão excessiva de alimentos. O sofrimento é marcante em virtude da compulsão alimentar.

O transtorno geralmente vem acompanhado de um ganho de peso significativo, e isso pode gerar várias complicações à saúde. Além disso, há consequências psicológicas, porque este descontrole traz sentimentos como vergonha, culpa, sensação de fracasso, angústia, autodepreciação, ansiedade e depressão. Tanto que a incidência dos episódios é mais comum quando a pessoa está só, longe dos olhares de amigos, familiares e companheiros, para evitar o julgamento alheio.

É importante comentar também sobre o Transtorno Restritivo Evitativo (TARE), classificado como um transtorno psiquiátrico, incluído na 5ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5). É considerado um comportamento alimentar restritivo que pode estar associado a uma resposta emocional negativa do indivíduo em relação a algum aspecto da sua vida. É um transtorno caracterizado por uma perturbação alimentar onde o indivíduo se esquiva da comida devido a características dos alimentos, como: textura, aparência, cor, odor, temperatura ou não apresenta interesse na comida.

Há uma perda de peso significativa ou fracasso em obter o ganho de peso esperado ou atraso de crescimento em crianças. As deficiências nutricionais e dependência de alimentação enteral ou suplementos orais podem ocorrer nos casos graves. A associação negativa entre as emoções e a comida, característica do TARE, é apontada por alguns profissionais da área de saúde mental como decorrência de problemas familiares. Podendo ocorrer, por exemplo, em função de pais muito rígidos, que forçam a ingestão de alimentos indesejados ou de famílias que brigam muito na hora das refeições, criando um abalo emocional na criança que está à mesa para se alimentar. Além de criar uma dependência de alimentos específicos consumidos, ou seja, inclui não só o tipo de alimento como também marcas. Há o comprometimento do estado nutricional, além da socialização.

É importante ressaltar que esse transtorno não está relacionado diretamente com outros transtornos, como a anorexia e a bulimia.

Se ficou interessada(o), na semana que vem vamos conversar sobre tratamentos e outro transtorno, que ainda está sem classificação em manuais, mas vem sendo estudado, e entender como ele como acontece e limita a vida dos portadores.

Você pode participar da coluna enviando suas dúvidas e perguntas.

Até a próxima.

Fátima Sueli Baroni Tonezer é psicóloga, formada em Psicologia na Universidade Estadual de Maringá (UEM). Sua maior paixão é estudar a psique humana. Atende na DDL – Clínica e Treinamentos – (45) 9 9917-1755

@psicofatimabaroni

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