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Fátima Baroni Tonezer

Grande desafio do século XXI: entender e combater os transtornos alimentares

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Muitas pessoas, taxadas de gulosas, preguiçosas, sem foco e força de vontade, na verdade sofrem com algum transtorno alimentar. Os transtornos alimentares (TA) são patologias classificadas como doenças psiquiátricas em que a pessoa tem uma relação muito ruim e sofrida com a comida.

De acordo com a 5ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) e a 11ª edição da Classificação Internacional de Doenças (CID-11), os TA são caracterizados por um distúrbio persistente do comportamento alimentar ou relacionado à alimentação, que resulta em consumo ou absorção alterados de alimentos e prejudica significativamente a saúde física ou o funcionamento psicossocial.

Os TA são quadros psiquiátricos em que a pessoa tem uma relação difícil com a alimentação e um comprometimento sobre a percepção do próprio corpo. O diagnóstico de TA pode ter origem multifatorial, ou seja, ser originado por diversas causas.

A doença leva a consequências físicas ruins, como o baixo peso ou o sobrepeso, ou ainda o funcionamento biológico prejudicado, afetando principalmente os sistemas cardíacos e neurológicos, conforme explica a doutora Bruna Boaretto, psiquiatra especializada em TA e colaboradora do Ambulim, programa de Tratamento de Transtornos Alimentares realizado pelo SUS, ligado à Universidade de São Paulo (USP).

Os estudos mostram que os transtornos alimentares se manifestam em grande parte da população mundial. Estima-se que nos Estados Unidos, aproximadamente 30 milhões de pessoas sofrem com algum tipo de transtorno alimentar, dos quais 70% não contam com assistência de um profissional especializado para ajudar a combater a doença. Situação que se repete provavelmente no mundo e no Brasil.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 5% da população brasileira sofre com esses transtornos, o que nos leva a cerca de dez milhões de pessoas. As causas podem ser psíquicas, provocadas por fatores socioculturais, hormonais ou ainda, genéticos.

Conforme especialistas brasileiros, as estatísticas dos TA no Brasil apontam que a anorexia nervosa é mais prevalente em mulheres e atinge 1% da população; a bulimia nervosa, também com maior incidência em mulheres, prejudica 2,5%; e a compulsão alimentar afeta homens e mulheres em proporção igual, tem uma taxa de 3,5%. Estes três transtornos somados superam em número a depressão.

Fazer restrições alimentares muito severas desencadeia qualquer um desses transtornos, segundo o doutor Táki Cordóvas, coordenador do Programa de Transtornos Alimentares do Ambulim do Instituto de psiquiatria da USP. E de acordo com a doutora Sophie Deram, nutricionista e coordenadora do projeto de genética do programa de transtornos alimentares da USP, as redes sociais, por funcionarem com imagens, trouxeram impactos significativos para o desconforto com a alimentação e com a insatisfação corporal. O uso exagerado das redes sociais pode estimular a insatisfação com o próprio corpo, alertam esses especialistas.

As pessoas mais propensas a desenvolverem transtornos alimentares, segundo pesquisas de psiquiatras, são as que sofrem com insegurança pessoal, decorrente de abusos físico ou sexual e negligência na infância, que não desenvolveram vínculos afetivos importantes na infância, estando associada à distorção de imagem corporal.

A pressão da sociedade “gordofóbica”, onde ser magra é sinônimo de ser bonita e ter sucesso, tem aumentado consideravelmente e a preocupação com o corpo atinge crianças e adultos após os 40 anos, não sendo um problema só de adolescentes e mulheres jovens.

Vivemos a erotização do corpo infantil. A menina não tem mais o corpo para si, para brincar de boneca, é ensinada a buscar a admiração do outro.

A vergonha do corpo impede de buscar ajuda. Ter um transtorno alimentar é visto como um defeito de caráter, de personalidade, de falta de força de vontade. Vivemos a perda da liberdade de escolher. Isto é bem descrito na filosofia existencialista, quando assinala que “a doença começa quando você perde a liberdade de escolher”. É a tentativa desesperada de se enquadrar e agradar o outro, ser bem-visto e aceito.

TODO DIA ACORDO DETERMINADA A EMAGRECER.

TODO NOITE CHORO NA CAMA PORQUE MAIS UMA VEZ FUI “FRACA”

As dificuldades que envolvem a perda de peso e o emagrecimento, na maioria das vezes, não têm a ver com fraqueza, força de vontade ou outras justificativas veiculadas por aí. Vamos conhecer um pouco mais sobre esses transtornos. O conhecimento nos ajuda a encontrar os caminhos adequados e diminuir o sofrimento associado aos quadros.

Vamos começar falando de anorexia nervosa. É um dos transtornos alimentares conhecido há mais tempo e tem seu diagnóstico pautado no baixo peso corporal, para idade, gênero e trajetória de vida, que se mantém pela utilização de recursos extremos no intuito de forçar uma perda de peso maior. Tais comportamentos inadequados são mantidos devido ao medo intenso de ganhar peso ou engordar. Ou seja, se caracteriza pela busca incessante da magreza e o medo absurdo de engordar.

Para entender o que é anorexia é importante saber que é um transtorno psiquiátrico, com causas multifatoriais, isto é, pode estar associada com questões genéticas, de temperamentos (como traços obsessivos ou ansiosos), fisiológicas (características do funcionamento do próprio corpo) ou ambientais (como histórico familiar, ocorrência de abusos físicos ou emocionais, estar inserido em uma cultura ou contexto em que a magreza é valorizada).

A anorexia pode acometer homens e mulheres e iniciar em diferentes faixas etárias, porém, é mais comum ocorrer em adolescentes e adultos jovens, já que nessa idade as mudanças corporais, necessidade de aceitação de grupos, início da vida sexual, inserção no mercado de trabalho, padrões de beleza impostos pela sociedade etc. podem influenciar no desenvolvimento da doença.

Os sintomas e sinais visíveis deste transtorno incluem: perda exagerada de peso em curto espaço de tempo sem nenhuma justificativa, com uma preocupação exacerbada em manter o peso corporal anormalmente baixo, medo intenso de ganhar peso e uma percepção distorcida do peso ou da forma; recusa em participar das refeições familiares (os anoréticos alegam que já comeram e que não estão mais com fome); preocupação exagerada com o valor calórico dos alimentos, por isso se privam de determinados grupos alimentares.

O anoréxico se recusa a comer, mas não por falta de fome ou apetite. Muitas vezes no histórico de vida do anorético, a pessoa sente que o único controle que tem na sua vida é quanto à comida e o não comer. Alguns mantêm rotina de atividade física intensa e exagerada, além de uma visão distorcida do próprio corpo, pois, apesar de extremamente magras, essas pessoas julgam-se e veem-se com excesso de peso. Geralmente há ausência de crítica quanto à gravidade do baixo peso.

São muitas as consequências da restrição alimentar e do baixo peso, como a desnutrição, o aumento do colesterol, perda da massa óssea (osteopenia), batimentos lentos do coração, queda na temperatura do corpo, anemia, distúrbios metabólicos e hormonais, alterações de humor como irritabilidade, depressão, síndrome do pânico, comportamentos obsessivos-compulsivos, ansiedade.

Dentre os transtornos psiquiátricos, esta é a que possui maior taxa de mortalidade e risco de suicídio, por isso, ao menor sinal deve-se procurar ajuda, médica e psicológica. O diagnóstico e início precoce do tratamento da anorexia nervosa aumentam as chances de sucesso terapêutico e diminuem os riscos associados à doença.

Na próxima semana vamos continuar falando dos transtornos alimentares que mais atingem pessoas no mundo e no Brasil, mostrando também tratamentos e possíveis caminhos para fazer as pazes com a comida e com o corpo. Um caminho que pode ser longo, difícil, mas que os resultados como bem-estar e saúde compensam. Você pode participar da coluna enviando suas dúvidas e perguntas.

Até a próxima.

Fátima Sueli Baroni Tonezer é psicóloga, formada em Psicologia na Universidade Estadual de Maringá (UEM). Sua maior paixão é estudar a psique humana. Atende na DDL – Clínica e Treinamentos – (45) 9 9917-1755

@psicofatimabaroni

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