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Fátima Baroni Tonezer

“Pra que mentir, fingir que perdoou”?

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Para começar esse artigo, que aborda um assunto tão delicado como é o perdão, lembrei dessa música do Cazuza (Codinome Beija Flor, de 1985). No último artigo falei sobre mágoas e ressentimento. Guardar magoas é trazer nas costas uma mochila cheia de pedras, coisas que não foram boas no passado, e ficar na repetição das situações, criando inconscientemente condições que confirmam as próprias crenças.

As mágoas atrapalham a retenção de novos conhecimentos e fazem gastar muita energia para obter os mesmos resultados que o outro, porque continua carregando os pesos do passado.

O ressentimento tira a concentração. Como estou ressentida por falta de atenção, por exemplo, não retenho conhecimento e não concretizo meus objetivos. Vivo na autossabotagem e na procrastinação.

A ARTE DO PERDÃO E A LEVEZA NA VIDA!

“Falar, falar, falar, até que a angústia dê lugar à palavra”. Frase de Jacques-Alain Muller, psicanalista francês. A psiquiatra e neurocientista Natália Mot, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica: a gente fica falando, contando. Não está informando, nem se informando. Está usando a palavra para ver se com isso você gasta a angústia. Problema a gente resolve. Angústia a gente dissolve. Onde? Nas palavras.

E onde entra perdão nisso? Primeiro precisamos contextualizar perdão. Perdão não é mudança da realidade. Ao perdoar não vamos apagar o que aconteceu nem eliminar a dor causada pelo evento.

Perdoar é parar de olhar para o passado e voltar os olhos para o presente, ressignificando agora, no presente aquele fato ou evento. Perdoar é recuperar o poder de administrar e gerenciar as próprias emoções, gerir a própria vida, nos abrindo para as possibilidades de novas decisões e estratégias.

Para usar uma metáfora, é como se na mágoa o controle remoto de nossa existência fosse parar nas mãos do outro. Com o perdão recuperamos o controle e a partir daí passamos a dar as coordenadas da nossa jornada, aquilo que efetivamente queremos que ocorra em nossa vida. Não há esquecimento, só deixa de conter a emoção que sentimos naquele momento. E sem a emoção não há dor. Sem dor, a vida flui.

Enquanto carregamos a “mochila” de mágoas e ressentimentos, não avançamos. É como querer pegar 120 quilômetros no carro com o freio de mão puxado. A mágoa funciona como amarras por serem alimentadas por emoções disfuncionais, que influenciam nossos comportamentos, nossos relacionamentos, atrapalham nossos resultados.

PERDÃO COMO HABILIDADE EMOCIONAL

Perdoar é ter humildade para reconhecer o erro do outro, se libertar e curar da dor que foi provocada em nós. Mas vale lembrar que perdoar não é esquecer. É se libertar da dor, da emoção que corroí e trava nosso caminho.

Perdoar não é sobre o outro. Não significa que para perdoar vou concordar com o que o outro me fez. Para perdoar você inclusive não precisa nem conversar com o outro.

Perdoar não é sobre o outro, vou repetir. Até porque, muitas vezes, o que foi feito merece ser punido pela justiça. Depois de perdoar você não obrigatoriamente vai voltar a confiar na pessoa nem a conviver em alguns casos. Perdoar é recuperar aquela parte nossa que ficou corrompida, sofreu uma rachadura. É entender que não vou mais perder energia com raiva do que aconteceu nem tentando mudar a pessoa. Vou aprender a me blindar para que o comportamento do outro não me afete mais.

A forma de fazer isso é deixar de olhar para o passado, parar de acusar e voltar os olhos para o presente. A energia represada é liberada na ressignificação. É deixar de trocar farpas, fazer cobranças e julgamentos, liberando nossa energia para nossas capacidades e recursos, alinhando nossas perspectivas. E a ferramenta para construir essa blindagem é o perdão. O perdão não é uma decisão racional, nem tampouco emocional. Ele é uma construção, um processo terapêutico.

Como vários processos em nossa vida, o perdão passa por algumas fases. O primeiro passo é reconhecer o que te magoou, qual foi a causa, o evento. Foi um comportamento, palavra, gesto… identificar o que causou a mágoa. Em seguida, identificar quem foi que provocou essa mágoa. Alguém do seu passado remoto (infância) ou recente? Qual a importância dessa pessoa na sua vida no momento da mágoa? É família, pai/mãe, irmãos, parentes, colegas ou professores, companheiros de trabalho?

Como a dor do passado ecoa nas suas ações do presente. É perceber padrões, identificar ciclos, palavras, gestos, atitudes. Ao reconhecer os personagens e padrões pode surgir a culpa por não ter conseguido se livrar e perdoar ainda. Nessa hora não adianta tentar usar paliativos. Apesar da dor, temos que encarar e agir. E avaliar qual foi nossa participação no evento: foi por ação ou omissão?

Na omissão, permitimos ser humilhado, desprezado, machucado, porque calei, seja por não ter recursos para enfrentar ou não poder reagir, como na infância, por exemplo. Outras vezes tivemos uma participação ativa, por gestos, por imaturidade, machuquei ou provoquei o outro.

As armaduras que criamos para nos proteger da pessoa que nos afeta consome muita energia. Por que ainda não conseguiu perdoar? Quais as armaduras protetoras que você criou para se proteger da dor, que também impede você de viver? É preciso entender agora, que não se trata do que o outro fez, mas como você reagiu ao que foi feito a você.

É decidir retomar as rédeas da própria vida, que pela mágoa você entregou ao outro. Quais são as atitudes e ações que precisam ser empreendidas para retomar essas rédeas? Olhar para os padrões repetitivos de sua vida. E quantas vezes mágoas têm a ver com nossas expectativas? Expectativas que tenho e não alcancei.

As minhas expectativas com o outro nos relacionamentos são maiores quanto mais frustrações e dores vivenciei com meus pais, na minha infância. E esperar que o outro resolva o que é meu não funciona. Se você ainda não conseguiu perdoar, não é porque você é incapaz ou ruim. É porque perdoar é um processo. E como processo, precisa de tempo, apoio e coragem para dar início e se manter no caminho, para suportar a dor. É importante ter a presença e apoio de uma psicoterapeuta para acompanhar sua jornada. Então, se precisar, peça ajuda.

Na próxima semana vamos abordar um assunto muito delicado, que, como o perdão, precisa ser enfrentado e discutido, pois tem muitas implicações e causa muito sofrimento. Fica comigo, continua me acompanhando, pelo site do Jornal O Presente e nas minhas redes. E se quiser trocar uma ideia sobre esse ou qualquer outro tema, me chame.

Até a próxima,

Fátima Sueli Baroni Tonezer é psicóloga, formada em Psicologia na Universidade Estadual de Maringá (UEM). Sua maior paixão é estudar a psique humana. Atende na DDL – Clínica e Treinamentos – (45) 9 9917-1755

@psicofatimabaroni

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