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Fátima Baroni Tonezer

Quem cuida do cuidador: a viagem desconhecida

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No artigo anterior (clique aqui e leia) falei do adoecimento do cuidador familiar que é provocado pelo excesso de trabalho que cuidar do outro impõe, as preocupações com as demandas que vão surgindo, horas em filas para conseguir um remédio pelo SUS, uma consulta ou um exame.

E, muitas vezes, o paciente é difícil, não colabora com os procedimentos, que podem ser decorrentes do próprio desgaste provocado pela doença ou por questões de personalidade. Cuidar de um idoso, por exemplo, que na vida toda foi independente, dava as ordens e de repente torna-se dependente e restrito em suas ações gera conflitos. E o cansaço e o estresse vão tomando conta e o cuidador familiar vai se culpando por sua conduta, por sentir-se cansado ou ter perdido a paciência, ou não ter visto antes a necessidade de tratamento ou querer fazer coisas que os outros estão fazendo, como ir a uma festa, assistir um filme ou série, cuidar da aparência, dormir.

A DIFICULDADE DE OLHAR PARA SI

Neste ponto, quero trazer outra situação: a questão atual. Quando estamos lidando com doenças e suas consequências é visível para o olhar externo que ali há uma situação difícil, que inclusive é “merecedora de pena”. Quando acontece a morte de uma pessoa importante, num primeiro momento vai ocorrer o acolhimento, as visitas, que depois de alguns dias começam a escassear porque todos voltam as suas rotinas. E esse é o ponto: esses eventos são capazes de proporcionar o acolhimento adequado?

VOCÊ PRECISA SER FORTE!    

Quem nunca falou ou ouviu essa frase, que muitas vezes vem acompanhada de conselhos ou outras frases de efeito (questionáveis, claramente) para a pessoa que está sofrendo?

E quando a situação causada por uma separação ou estar vivendo uma relação tóxica ou ter vivido um relação abusiva, a lista de frases é incontável, sempre com “você tem quer ser forte”, “você escolheu isso, agora tem que aguentar”, “pare de reclamar”, “você sabia, agora não adianta chorar” etc. São tantas frases de efeito, mas que em nenhum momento olha para a pessoa e pretende acolher a dor e o sofrimento. E deixam implícitas que a pessoa escolheu ou tem culpa na situação.

Quantas vezes o interlocutor está falando para o outro de algo que é próprio dele? E que se enxergar o drama do outro e acolher vai perceber que também teria que ter a coragem de resolver e mexer na própria situação. É comum no “setting terapêutico” escutar dos pacientes/clientes frases como as citadas e que causam desespero, culpa e desesperança.

O QUE SIGINIFICA SER FORTE?

Tenho a impressão, quando ouço essa frase, que quem está sofrendo não pode entrar em contato com a dor, que é preciso negá-la, “varrer para debaixo do tapete” e seguir em frente, atendendo expectativas aleatórias. Porque lembra: o mundo não para enquanto você chora. E se é verdade que o mundo não para, também é verdadeiro que meu mundo sofreu um abalo e eu tenho necessidade de parar e recolher meus cacos e num lugar de vulnerabilidade aceitar minha fragilidade e deixar doer. A fragilidade inerente ao humano, diga-se de passagem.

Equilibrar as exigências do mundo – trabalho, convivência familiar e social – com momentos de recolhimento, de choro fácil, de questionamentos, de expressar a raiva e a tristeza. É atravessar o deserto do momento, olhar para dentro e entender o que aconteceu, quais crenças e valores coexistem aí, e buscar o entendimento, a ressignificação. É estar se preparando para sair diferente da travessia, porque esse lugar, o deserto, é o local do autoconhecimento, de entrar em contato com dores da infância, crenças e sentimentos de rejeição, abandono, as respostas possíveis naquele momento de vida e que hoje não são mais funcionais.

Entender por que faz o que faz, com qual intenção, para agradar quem, tamponar qual sentimento ou emoção. Nossos desertos, porque sim, durante a vida vamos passar por vários, pede recolhimento, e ajuda especializada. A psicoterapia é uma forma de acolhimento e escuta, que oferece apoio e possibilidades, ao ajudar a entender quais as condições e a responsabilidade na construção da jornada de vida. Nos ajuda a ir deixando pelo caminho coisas que não mais agregam, comparações internas, preenchimento de vazios internos com bocados de amor-próprio, respeito, autoaceitação, responsabilidade. Fortalecendo a autoestima e o amor-próprio, desenvolvendo a adaptação necessária às adversidades da vida na busca dos próprios objetivos e resultados.

Esta última frase pode parecer egoísmo, mas ao deixar de lado as receitas prontas e veiculadas à exaustão nas mídias, “abrir mão” das comparações, a pessoa chega naquele lugar de cuidar de si, do seu bem-estar sem depender do padrão alheio, e aí, nesse lugar, estará mais apta para olhar o outro pelo outro, cuidando das suas necessidades enquanto acolhe as necessidades do outro. O famoso “dar sem esperar nada de volta” porque está pleno de si e doa-se sem o custo emocional da retribuição.

Da próxima vez que alguém disser que você precisa ser forte, avalie a situação, e veja o lugar onde você está e se de fato é o momento de ser forte ou permitir-se viver a dor, experenciando o momento, praticando a aceitação e respeito por si. Na próximas semana vamos continuar conversando. Vamos falar, para compreender, um aspecto essencial da autoestima. Vem comigo?

Até a próxima…

Fátima Sueli Baroni Tonezer é psicóloga, formada em Psicologia na Universidade Estadual de Maringá (UEM). Sua maior paixão é estudar a psique humana. Atende na DDL – Clínica e Treinamentos – (45) 9 9917-1755

@psicofatimabaroni

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